quarta-feira, 16 de março de 2011

Leiam e meditem sobre as centrais nucleares




Empresa Tepco durante anos falsificou documentos e ocultou problemas
nos reactores que agora estão no centro da crise nuclear do Japão.

Quando o telefone tocou nos escritórios da Tepco (Tokyo Electric Power
Company), no dia 4 de Julho de 2000, os dirigentes da empresa nem
imaginavam o que estava para acontecer. Do outro lado da linha, um
responsável do então Ministério do Comércio Internacional e Indústria
do Japão solicitava informações sobre problemas encontrados numa
inspecção de rotina ao reactor 1 da central de Fukushima-Daiichi, a
mesma que agora está no centro da crise nuclear do Japão.
O pedido foi formalizado por carta cinco meses depois, em Dezembro. E,
nessa altura, o Governo queria que a Tepco verificasse também
denúncias de irregularidades feitas por um técnico da General Electric
(GE).
Tanto a Tepco como o Governo iniciaram inquéritos. No final de Agosto
de 2002, a agência japonesa de segurança nuclear concluiu que, desde
os anos 1980, havia uma prática sistemática de ocultar problemas
detectados nas inspecções à central de Fukushima - incluindo fissuras
nas estruturas dos reactores. Os problemas, segundo o Governo, não
punham directamente em causa a segurança da central. Mas a
falsificação dos documentos e a ocultação de dados eram
suficientemente graves.
A Tepco admitiu tudo e desculpou-se publicamente, apenas para
descobrir, um mês mais tarde, mais oito casos de omissão de informação
sobre problemas nos tubos de circulação primária da central de
Fukushima.
Os efeitos para a Tepco foram arrasadores. Dias depois da divulgação
do resultado do inquérito, a empresa anunciou a demissão dos seus
dirigentes de topo, incluindo o seu chairman e o seu presidente.
Outros 35 directores, superintendentes e técnicos foram afastados dos
seus cargos ou sofreram cortes nos salários.
Todos os 17 reactores nucleares da Tepco - não apenas os seis de
Fkushima-Daiichi - foram encerrados para inspecções de segurança, que
se estenderam até Abril de 2003. Cerca de 3000 residentes à volta de
Fukushima processaram a empresa, por ter mentido.
Os problemas da Tepco não ficaram por aí. Em 2006, a empresa encontrou
dados falsificados sobre a temperatura da água de refrigeração de
Fukushima-Daiichi em 1985 e 1988. E em 2007, um sismo de magnitude 6,8
provocou um incêndio noutra central nuclear - Kashiwazaki Kariwa, a
maior do mundo. Embora o acidente não tenha tido grandes
consequências, o Governo admitiu que não tinha avaliado bem o risco
sísmico antes da aprovar a construção da central, confiando em dados
da própria Tepco, de 1970 - segundo a agência noticiosa Bloomberg.
Tecnologia em causa
As explosões e as fugas radioactivas de agora em Fukushima são mais um
episódio a somar no histórico da Tepco - uma das maiores empresas
mundiais do sector eléctrico. A causa foi externa e brutal: um sismo
de magnitude 9,0 e um avassalador tsunami. Mas a própria tecnologia
utilizada nos reactores de Fukushima é agora colocada em xeque.
Os reactores da central foram construídos pela GE, que os desenvolveu
na década de 1960. Documentos citados ontem pelo New York Times
reveleam que, nas décadas de 1970 e 1980, membros da agência
regulatória da energia atómica nos Estados Unidos manifestaram
preocupação quanto ao equipamento da GE, alegando maior risco de
provocar explosões em caso de sobreaquecimento do combustível nuclear.
Um porta-voz da GE citado pelo New York Times disse que a tecnologia
tem "um registo de mais de 40 anos de segurança e fiabilidade".
Independentemente da sua responsabilidade, a Tepco já está a enfrentar
os efeitos dos problemas agora verificados em Fukushima. Em dois dias,
as acções da empresa caíram 42 por cento. A empresa não está livre de
pagar indemnizações pelos efeitos do acidente. E o próprio
primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, está furioso por não ter sido
informado, durante uma hora, do que se passava na central, depois da
explosão hoje do reactor 2.
Inaugurados entre 1970 e 1979, os reactores de Fukushima estão entre
as 174 unidades atómicas com mais de 30 anos que existem no mundo.
Muitas empresas querem prolongar a vida útil das suas centrais. Neste
caso, é o ponto final.

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